Mocidade quer resgatar a origem do Carnaval em parábola sobre rituais agrícolas

FÁBIA OLIVEIRA
do UOL, no Rio

Do alto do terceiro andar do barracão da Mocidade Independente de Padre Miguel, o carnavalesco Cid Carvalho observa a finalização dos carros alegóricos que serão levados para a Marquês de Sapucaí no domingo de Carnaval. "Fico daqui de cima porque gosto de olhar o resultado do carro da mesma altura em que os jurados vão assistir ao desfile da escola. E também é bom para controlar os funcionários. Eu grito e a coisa flui", entrega o carnavalesco. 

Muita coisa do enredo "Parábola dos Divinos Semeadores" já está pronta. E coberta com plástico preto para preservar as cores e manter o segredo. Cid espera que os oito carros que vão compor o desfile da Mocidade estejam prontos até meados de fevereiro. "Quero ter tempo para descansar antes do Carnaval. Quero ir à praia e fazer marquinha de biquíni", brinca. 

O enredo não é de fácil compreensão. Mas o carnavalesco não encara esse fato como um problema. "A escola de samba tem que levar conhecimento ao público", justifica. "Parábola dos Divinos Semeadores" pretende fazer uma grande viagem através das festas que deram origem ao Carnaval. "Vamos resgatar a origem do Carnaval, que está historicamente comprovada nos rituais agrícolas. A deusa Ísis era a deusa da agricultura, por exemplo", conta.

A Mocidade vai entrar na avenida com oito carros. As baianas virão representando as geleiras, antes do abre-alas. "Vai cair neve sobre elas. Quis fazer essa homenagem porque, para mim, as baianas são as mães do samba". O primeiro carro representa a era glacial. O carro, todo branco, tem alegorias em forma de ursos polares e vai fazer nevar na Marquês de Sapucaí. "Vários quilos de sal grosso serão espalhados no chão do carro. O sal vai ter duas funções: dar o efeito de neve e abrir os caminhos para a Mocidade passar", explica o carnavalesco. 

O segundo carro fala sobre as forças da natureza. O carro traz elementos rústicos e também palha de milho, trigo e serragem. "O carro representa o momento em que o homem passa a celebrar como deuses, depois do degelo. Vamos colocar peixes, representando a fartura", observa.

O terceiro carro é o banquete da deusa Ísis. "Vamos colocar muitas frutas para decorar, como damascos e figos. Além de ficar bonito visualmente, vai perfumar a Sapucaí", diz. Depois dele, vem o carro da Saturnália, feito em formato de navio. "Vamos brincar com a sauna romana. Neste carro, vamos colocar um destaque simbolizando o Rei Momo", antecipa. Dentro das piscinas montadas no carro virão homens gordinhos. O ator Leandro Hassum vai representar o rei Baco.

A bateria da escola vai estar vestida como faunos. "Os ritmistas vão estar a dez centímetros do chão, usando um calçado especial. É uma espécie de bota que fica suspensa do chão com uma estrutura metálica", explica. Esses sapatos imitam os cascos da divindade campestre.

Na frente do quarto carro vem Ângela Bismarck, vestida como uma "diabinha". Com pintura corporal do busto à genitália, ela vai incorporar Lilith, a mãe do fogo, a convite do carnavalesco Cid Carvalho. A "fantasia" -que inclui um rabinho e adesivo cirúrgico como tapa-sexo- será usada na frente do carro que representa a Igreja Católica. "Não vejo problema porque a igreja é parceira do carnaval desde sempre. É ela quem cria a data da festa, já que o calendário acompanha a data da quaresma. A relação entre nós tem que ser de respeito", explica. O carro que representa a igreja não terá a imagem de Jesus, mas sim um presépio.

O sexto carro é sobre o baile de máscaras. "Depois que a Igreja transforma essas festas em folias menos sexuais, elas vão parar na nobreza, com as máscaras", argumenta. O penúltimo carro da escola reúne as principais festas do folclore brasileiro, como São João, Bumba Meu Boi e a festa da Rainha da Primavera.

Fechando o desfile, um carro em forma de cometa vai adentrar a avenida. "Este representa o Carnaval propriamente dito. Vamos homenagear Tia Ciata, que será representada por Zezé Mota. Luzes de néon vão iluminar a Sapucaí", diz o carnavalesco.   

O último título da Mocidade aconteceu em 1996. No ano passado, a escola ficou em sétimo lugar. Cid Carvalho não teme a concorrência. "Sou ariano, filho de nordestino. Quero mais é fazer festa e me divertir com o povo! Respeito todas as escolas, mas confio no nosso taco", declarou Cid.